A falta de tato me magoa. Não consigo sair ilesa de pequenas
e doídas indelicadezas, que muitas vezes passam batido por quem as causa.
Noite dessas me ressenti com uma bobagenzinha. A pizza
estava quase pronta, aquele cheirinho de queijo tostado perfumava a casa
inteira. Foi quando decidi tornar especial um dia que até aquele momento estava
acontecendo normalmente, sem grandes novidades.
Coloquei um CD de música romântica e automaticamente
desliguei a TV que passava o noticiário sangrento do dia. Assim que a música
tomou conta do ambiente, o homenageado em si me olhou pasmo perguntando o que
tinha acontecido pra eu desligar a TV. Meu Deus! Parecia que eu tinha ofendido
a mãe dele. Eu esperava surpreendê-lo com um pouco de poesia e arte mas quem
teve a surpresa maior fui eu. Não teve sensibilidade de perceber a sutileza
deste gesto.
Ta bom. Pode ser uma frescurinha feminina, mas mesmo
sendo só uma música gostaria que ele tivesse entendido o sentido de sair da
rotina e transformar uma atmosfera deixando-a mais leve e alegre. A proposta
era uma pequena ação diferente do cotidiano para transformar um momento comum em especial. Não foi
nada demais, nem coisa para causar uma terceira guerra mundial, mas fiquei
chateada por ver minha idéia ser tesourada, desdenhada e principalmente
incompreendida. Percebi que nem sempre para bom entendedor uma música romântica
basta.
Existe um abismo de predileções e vontades que se afinam
e destoam entre os opostos que volta e meia deixam de se atrair e passam a se
repelir, as vezes com uma freqüência maior do que gostaríamos. Deveria estar
conformada com teorias como esta, mas admito que sou um serzinho romântico e
passional.
Na mesma hora em que a boniteza me perguntou por que
ouvir música ao invés do rotineiro noticiário, azedei e perdi a vontade de
música e de romance também. Propositalmente comi a pizza muda deixando ressoar o
jornal da noite que pareceu inconveniente. Meu silêncio era tão incômodo que a
belezura entendeu que havia pisado na bola a ponto de fazer notar minha
decepção sem nada comentar. Não elogiei o jantar, como de costume e, apesar de
estar uma delícia, não dei ibope e fui dormir mais cedo. Saí de cena como boa e
rancorosa taurina que sou.
Naquela noite não dei o privilégio da minha companhia
e só se ouviu o som da TV na sala. Mas nada gritava mais alto que o silêncio
que insistia em ecoar pela casa vazia, cheia de arrependimento.
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