Porque é tão sofrido e difícil se desfazer das coisas?
Uma mudança de endereço, por exemplo, é um prato cheio
para testarmos nossa capacidade de desapego. É na hora de puxar para fora o que
tem dentro dos armários e gavetas e começar a empacotar, que percebemos a
quantidade de tranqueiras que acumulamos ao longo dos anos. Para que tanta
coisa? Precisamos disto tudo?
Na última e recente mudança que fiz me surpreendi com
a quantidade de “um tudo” que venho guardando por tanto tempo. Minha nossa. Bolsas,
cintos, roupas, CDs, sapatos, livros, revistas, caixinhas decorativas,
bijuterias, luminárias e por aí vai. Propus repensar os verbos dar, doar,
esvaziar. Decidi me livrar do velho e deixar espaços vazios, em branco, sem
nada. Além de ajudar muitas pessoas exercitando a solidariedade, deixei uma
bagagem que seria literalmente um peso e um transtorno se eu quisesse levar
comigo.
O desapego é um exercício diário, bastante propagado
pelo budismo, que sugere uma conexão íntima com aquilo que é importante ser e
ter. Temos a tendência de nos apegarmos a objetos, por várias e honestas
razões, sejam elas emocionais ou afetivas. Mas a verdade é que adoramos e
desfrutamos do capitalismo, somos vorazes consumidores, ávidos por novidades.
Estudos apontam esse consumismo desenfreado como uma
válvula de escape para suprir carências afetivas ou desviar a atenção de um
problema disfarçado pela compra. Somos fisgados por sedutoras campanhas publicitárias
que nos provam o bom negócio que é consumir, gastar, devorar. Desempenham seu
papel com brilhantismo ao mostrar o quão necessário é tal produto para mudar
completamente a nossa vida. E a gente cai nessa armadilha, se enforca no cartão
de crédito, que nos ilude, nos tira da realidade financeira e estimula compras
que não seriam feitas não fossem as tentadoras facilidades que oferecem. Lotamos
todos os buraquinhos possíveis com bugigangas que, na próxima estação, entrarão
em desuso e cairão no nosso esquecimento.
E depois do ataque consumista resta a pergunta: Onde guardar
tudo o que compramos? Em armários embutidos, projetados para os micro-apartamentos
cada vez menores e compactos em formato de ovo. Ou se tem uma mansão com um
senhor closet ou se tem uma caixinha de fósforos para guardar suas coisas.
Sendo assim, resta a nós selecionarmos o que realmente é útil e nos desfazermos
de todo o resto. Não há mais espaço e a coisa tende a ficar cada vez mais
apertada e menor! É só darmos uma olhada nos chineses que se multiplicam na
velocidade da luz, dormindo uns sobre os outros em cabines minúsculas que mal os
suportam deitados.
Colecionamos cacarecos ao longo da vida entupindo
nossos armários, gavetas, nossas casas sem nos darmos conta do valor do espaço
vazio, da amplitude, do eco.
A consultora de moda Glória Kalil adverte que, se
temos uma peça de roupa e não a usamos há dois anos é hora de passar adiante,
você provavelmente não usará mais. Surpreenda-se e aproveite o espaço que se
abriu diante de uma providencial doação e pratique um trabalho mental de
auto-controle sobre o atulhamento de coisas na sua casa. Não é tarefa fácil mas
é recompensador poder dançar no meio da sala que ficou maior, mais livre, mais
vazia.
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